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TRANSFORMAÇÃO | 04.12.2020

“As empresas que tinham um propósito se saíram melhor durante a pandemia”

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Pelo Zoom, entrevistamos Stephan Fuetterer, diretor corporativo da Villafañe & Asociados Consultores, sobre como os CEO passaram por mudanças durante esses meses, devido a uma tomada de decisões frenética em um cenário difícil para as pessoas e para as organizações. Liderança empática, sem dúvida, mas também propósito, criação de valor para o conjunto de partes interessadas, critérios ASG (ambientais, sociais e de governança empresarial), reputação e planejamento de riscos são elementos, na opinião desse especialista, que não podem faltar nas ações de um bom líder. Da MAPFRE, prioriza a contemplação do contexto da pandemia em seu cenário de gestão de riscos, e a blindagem ética e a dimensão humana de seu presidente, Antonio Huertas. 

O que a pandemia significou para os líderes, quais foram as mudanças?

A pandemia foi um grande aprendizado para todos os líderes, foi praticamente como saltar de paraquedas. Era uma situação nova para todos e somente as empresas com capacidade para prever essa situação, dentro de sua gestão de riscos, tiveram margem para uma atuação melhor. A MAPFRE, dentro dos riscos analisados e previstos, contava com um risco de pandemia, por isso teve uma margem para reagir nos diferentes países. A capacidade de previsão é importante para estabelecer planos eficazes para os diferentes stakeholders. As empresas que não previram esse risco tiveram que improvisar.

Larry Fink, da Black Rock, explica que aquelas empresas com um propósito corporativo se saíram muito bem durante a pandemia, e as que não tinham um propósito, sem dúvida acabaram encontrando um. Em agosto de 2019, isso já era previsto pela Business Roundtable [organização sem fins lucrativos norte-americana, formada por executivos das principais companhias]: do shareholder value (valor para o acionista) para o stakeholder value (valor para o conjunto dos grupos de interesse). Quando as empresas começaram a se conscientizar da situação, veio esse “tsunami”.

Os bons líderes continuaram sendo, e os que não eram tiveram de aprender muito. Passaram-se somente sete meses desde que foi declarada a pandemia. Foi uma grande prova para todos os líderes.

 

Tudo mudou: a noção de tempo, as agendas e as estratégias planejadas…

A agenda era sempre muito cheia, mas agora isso mudou para todo mundo. Tiveram que tomar muitas decisões, bem mais críticas que antes, em um período de tempo muito curto. 

Foi no contexto da digitalização que, na sua opinião, o desenvolvimento foi maior em razão da COVID-19? 

Em termos de digitalização, muitas empresas tiveram de fazer nesses meses o que previam fazer em três ou quatro anos. As decisões para implantar a digitalização foram antecipadas em todas as empresas. Para os trabalhadores, foi necessária uma adaptação muito rápida no que se refere a ferramentas, organização, videoconferências etc. E essa urgência nos obrigou a avaliar melhor, a ter mais consciência de que, embora tenhamos o escritório em casa, não vivemos no escritório. Os hábitos são sempre os mais difíceis de mudar. Algumas empresas tiveram de adquirir uma disciplina de reuniões virtuais para as equipes. Temos muitas reuniões one to one, mas reunir todo mundo é necessário para a criação de um “ambiente de equipe”. Na MAPFRE, Antonio Huertas fez isso muito bem, com uma grande blindagem ética, publicando pessoalmente vídeos semanais, como um líder próximo, que mostra suas ações e, acima de tudo, é um ser humano. Eu gosto muito dos líderes que antes de serem executivos são seres humanos.

Houve uma mudança para uma liderança mais empática, mais social, mais preocupada de verdade com as pessoas? 

A liderança deve ser sempre empática e conhecer as expectativas das pessoas. Isto permite que os líderes reajam e alcancem as expectativas em todos os âmbitos: dentro, com os clientes, os fornecedores, a sociedade em geral, a administração pública, os órgãos reguladores… Com todos os grupos de interesse. Essa capacidade, de escuta ativa, gera a empatia e, a partir daí, podem ser traçados planos de ação. A abordagem social teve um impacto muito grande. No momento adequado, lançamos um manual de liderança reunindo os comportamentos exemplares de diferentes tipos de líderes. Alguns apelavam para as emoções. Chegaram a transmitir conceitos como o amor. E chegou o momento em que foi necessário explicar que a situação é complicada emocionalmente, e isso é muito importante, inclusive para as crianças.

“A fórmula da reputação é realidade + reconhecimento: inicialmente é preciso fazer as coisas direito e, depois, você tem a chance de ser valorizado pelas pessoas.” 

A transformação de uma liderança mais executiva para uma mais emocional exige uma mudança no discurso?

Os líderes devem se dedicar em prol de uma gestão mais eficiente. É importante falar de outras coisas que não os negócios e a organização, mas com cuidado, para não cair em populismos ou estilos pouco justificáveis. Os líderes devem administrar levando em conta todas as expectativas dos grupos de interesse e se preocupar com todos. Esse tipo de líder já era conhecido, como Richard Branson ou Kike Sarasola, diferentes há muito tempo. Mas isso não basta, é necessário cumprir objetivos cada vez mais sociais. Se você tem um diferencial, ótimo. Mas se você passa despercebido, talvez o reconhecimento seja menor, mas as conquistas continuarão e resultarão em uma melhor reputação. A fórmula da reputação é realidade + reconhecimento: inicialmente é preciso fazer as coisas direito e, depois, você tem a chance de ser valorizado pelas pessoas.

 

Estamos diante de uma mudança permanente na forma de liderar?

Essa é a verdadeira tempestade social. Junto com o que vimos na Business Rountable e a pandemia, tudo ficou de cabeça para baixo. As empresas precisam continuar lucrando, mas isso se associa perfeitamente às políticas de sustentabilidade. Corresponsabilidade, por exemplo, é um meio que há 15 anos ressalta a importância da sustentabilidade e a importância de uma liderança consciente.

 

Agora as preocupações estão realmente concentradas no ASG (meio ambiente, social e boa governança)?

O ASG está mais ligado à metodologia; antes se falava em um “guarda-chuva” geral da responsabilidade social. Agora tudo está organizado e é possível agir de forma mais metodológica. A mudança está aqui, é consequência do progresso das coisas e vão continuar assim. Toda a humanidade está sofrendo um grande golpe e todos vamos aprender com isso. E os consumidores exigem outro comportamento da nossa parte.

 

Para os próximos anos, espera-se mais liderança ou uma liderança mais uniforme?

Acredito em uma liderança sistêmica, que significa se apoiar na equipe e ser um exemplo no comportamento colaborativo da organização. Há várias multinacionais, que mantêm fortes hierarquias, nas quais é proibido passar por cima do superior direto. As organizações neuronais chegaram para mudar um pouco as coisas, as redes sociais internas também, que fomentam a participação de pessoas que estão a oito ou 12 níveis de diferença do líder. Esse tipo de metodologia facilita a liderança sistêmica. Surgirão novas ideias, mas as pessoas e as empresas terão de mudar seus hábitos. Sem romper de forma brusca com o estabelecido anteriormente. Eu me lembro do café. Quem pensou que aquele fruto poderia ser uma bebida? No alto da montanha, colhido, descascado, triturado, seco, torrado e moído… Sempre há quem imagine um processo, mas então aparece alguém que faz a moagem e obtém uma infusão. As coisas também chegam a esse ponto nas empresas, incluindo novas formas de fazer as coisas ou colocando em prática o que antes não tinham coragem, mas respeitando o processo anterior. As pessoas que querem fazer as coisas de forma repentina e reinventar tudo acabam cometendo erros.

 

“Ter uma boa atuação compensa e ajuda na reputação, tem impacto nas vendas e atinge maior capacidade de prescrição na mídia, entre muitas outras coisas”.

Você poderia compartilhar algum momento revelador ocorrido em uma pausa para o café?

Estou há muito tempo observando líderes surpreendentes. O tema é a interiorização. Quando alguns líderes interiorizam, mudam seu modelo de gestão. Conheci vários que receberam treinamento e, inclusive, estudaram coaching. Antes somente mandavam, eram muito ligados aos números (“o que não são contas, são invenções”, diziam). E depois dos processos de interiorização, entenderam a importância da empatia, da escuta, da gestão de expectativas, da diversidade, da contribuição de cada um, das diferentes formas de incentivar… Assim surgiu a mudança e a evolução positiva na liderança. Há líderes que se saem muito bem de primeira, outros que vão aprendendo com o tempo. Esse clique de interiorização é necessário para que exista liderança positiva. Quando começam a aprender de novo. Há muitos chefes ou supostos líderes que pensam que já sabem de tudo, e são esses que tendem a desaparecer com o tempo.

 

Quando muitos trabalhadores sofrem, com cortes e incertezas ao seu redor, os líderes que resistem, defendem, reinventam, formam e transformam serão recompensados?

Sem dúvida, e já estão sendo. As pesquisas que estamos fazendo na Espanha e na América Latina mostram que os funcionários e os fornecedores das organizações admiram esses esforços e seus líderes mais do que nunca. Ter uma boa atuação compensa e ajuda na reputação, tem impacto nas vendas e atinge maior capacidade de prescrição na mídia, entre muitas outras coisas. As pesquisas mostram isso.

 

E quando voltaremos à normalidade?

Como é possível que tenham deixado de falar da gripe espanhola e não tenhamos ouvido falar muito dela? Surgiu e desapareceu, deixou de ser notícia depois de alguns anos. Acredito que isso também vai desaparecer em dois anos. Enquanto isso, gostaria de destacar que as empresas de hoje querem fazer as coisas bem feitas, querem que as partes interessadas fiquem bem e desejam isso de verdade. Vamos seguir em frente com essas mudanças, esperando o que está por vir!