MAPFRE
Madrid 2,082 EUR 0 (0 %)
Madrid 2,082 EUR 0 (0 %)

SUSTENTABILIDADE| 11.06.2021

“Exercer a medicina é ser constantemente lembrado da realidade”

Thumbnail user

Mar Córdoba, responsável pelo departamento de cirurgia torácica e transplante pulmonar do Hospital Universitário Puerta de Hierro-Majadahonda, é atualmente uma das poucas mulheres que chefia um centro cirúrgico na Espanha. “Tradicionalmente, havia poucos cirurgiões, portanto, alcançar postos de responsabilidade leva tempo.” Ela enfatizou, no entanto, que a medicina além de excitante é eminentemente feminina e que, em sua disciplina, a exigência e o treinamento são constantes e inescapáveis. Ela se orgulha de tudo que fez ao longo de sua carreira, principalmente de “ser capaz de lidar com as pessoas no dia a dia”. Ela também gostaria de aprender a tocar piano ou pintar, onde poderia ter usado a mesma sensibilidade e habilidade com que lidera sua equipe, opera e coordena o processo de transplante.

Existe alguma qualidade feminina para cirurgia?

Não. Mulheres e homens necessitam da mesma educação, habilidades e profissionalismo. Não acredito que nós contribuímos mais ou menos. Quando falamos sobre a lacuna nas profissões STEM, científicas, na física ou na matemática, a medicina é uma exceção. Há mais mulheres inscritas do que homens, acabamos de superá-los, ultrapassamos os 70% nas faculdades e, nos hospitais, somos mais da metade. Nesse sentido, as mulheres contribuem para a medicina há muitos anos, por se tratar de uma carreira eminentemente feminina. Tanto que quase passamos para o lado oposto.

A lacuna permanece notável nas carreiras STEM, tanto na esfera pública quanto na privada. Por quê?
Porque tivemos acesso tardio. Tudo leva tempo. Agora há muitos homens em postos de responsabilidade, mas haverá um momento em que isso não vai acontecer. Pelo menos, na medicina foi assim. Mas para isso é preciso treinamento, carreira profissional, progressão etc. E nisso é verdade que as mulheres têm mais dificuldade, porque quanto mais ativas e dinâmicas somos ao longo da vida, mais perto estamos da idade fértil e de termos filhos. Por isso, na maioria das vezes, algumas mulheres colocam suas carreiras em segundo plano. Mas conquistamos muito… Quando eu dei à luz, há alguns anos, o meu marido tinha apenas dois dias de licença paternidade. Atualmente, minhas colegas mais jovens têm o mesmo período de licença que seus parceiros. Isso ajuda muito.

Como sua vida está nesse sentido?

Em geral, nós, as mulheres, temos tido mais dificuldade: conciliar a vida nesse trabalho é complicado. Falta muito ainda, mas o fato é que conquistamos muito em termos de direitos. Isso incentiva as mulheres a ingressarem no mercado de trabalho em profissões, cargos ou especialidades cada vez mais exigentes, onde “sua vida fica muito complicada”. Às vezes, as mulheres têm que escolher empregos mais precários para conseguirem chegar lé e conciliar tudo. É por isso que existe uma lacuna em muitas profissões. Há possivelmente muitas mulheres que têm de escolher especialidades que lhes permitam ter uma maior conciliação familiar. Turnos longos, noites, horas na sala de cirurgia intermináveis são menos elegidos pelas mulheres. Ou eram. Com mais direitos e licença paternidade, isso mudou. Vencemos nesse sentido e temos de vencer mais, claro.

 

“A robótica será a revolução de todas as cirurgias”

Como a curiosidade científica e as profissões STEM são estimuladas nas meninas?

Gostaria de salientar que existem duas formas. As famílias sempre tiveram que estimular a curiosidade das meninas, da mesma forma que fariam com os meninos, sem estereótipos. A menina não precisa ser enfermeira, nem o menino médico. Assim como o menino não precisa ser astronauta e a menina, professora. Não sei se isso ainda existe, mas é isso que a minha geração ouvia. Eu mesma já ouvi isso. Isso não ajuda a encorajar a curiosidade. Na escola não deve haver nada com distinção de gênero: nenhuma matéria, nenhum tema, nada. Se todos são tratados da mesma forma, a mesma curiosidade é despertada.

 

Você teve uma vocação desde pequena?

De estudar sim, mas não sabia bem o quê. Fui para uma escola somente para meninas durante o Ensino Fundamental e Médio, não sei se ela ainda existe. Todo mundo tem colegas de classe, eles me incentivaram a estudar, mas também me ensinaram muitos estereótipos. Na família nunca me impediram de estudar, mas talvez meus pais tivessem preferido que eu escolhesse uma profissão menos exigente. Acredito que isso não aconteça mais, mas já passamos por um momento em que os pais não queriam que as filhas estudassem. Por quê? Porque era perda de tempo. “Pois, ela vai se casar…” Felizmente, tudo isso passou.

Do que você mais se orgulha em sua carreira científica?

Ela envolve muito esforço pessoal, muitas horas que você tira da sua família, de você mesmo. Como médicos, em geral, temos que continuar treinando sempre, quase mais do que somos capazes de assimilar. A medicina é muito exigente. Estou verdadeiramente orgulhosa de tudo o que fiz, de tudo o que me aconteceu na medicina. Acho emocionante porque, em comparação com outras carreiras científicas, também é uma carreira de humanidades. Você não é apenas um cientista: é um médico. Você lida, dia após dia, com as pessoas na sua frente, com os pacientes e com os seus familiares. É uma profissão especial, porque exercer a medicina é ser constantemente lembrado da realidade.

De quais habilidades você mais cuida para lidar com as pessoas que sofrem?

Para ser capaz de tratar bem os pacientes, é preciso ser bem treinado e reciclado para oferecer o melhor das evidências científicas. O trabalho em equipe e a tomada de decisões são essenciais. Você nunca trabalha sozinho, mas com diversos cirurgiões, e naturalmente tem que pôr o paciente no centro de tudo que faz. É preciso ter muito tato com o paciente e com os seus familiares. Com a COVID-19, percebemos que o pulmão é um órgão muito importante. Espero que isso nos ajude a ter uma vida mais saudável, a cuidar melhor de nós mesmos e a atrair recursos para a saúde. Essa pandemia, embora inesperada, deve nos ensinar a cuidar de nós mesmos e adotar novos hábitos.

Como você vê a saúde em uma década? 

A prevenção e o autocuidado devem ser incentivados, especialmente em termos de dieta e exercício físico, mas sempre com senso comum. Acho que estamos melhorando. Nossas mães ou avós trabalharam muito, mas não fizeram um exercício físico recorrente, pilates, caminhada etc. O esporte está muito mais integrado e a boa nutrição deve ser ensinada nas escolas. Que seja variada, sem exagerar, aqui temos boa matéria-prima! Não precisa comer apenas superalimentos ou alimentos biológicos. Nem todos podemos escolher onde morar, mas espero que governos e cidadãos adotem novos hábitos de vida que causem menos poluição. Isso será uma verdadeira batalha. A poluição ambiental faz com que muitas pessoas morram todos os anos.

Qual é a importância da digitalização em uma disciplina como a sua?

A digitalização é essencial na medicina. Agora ficou muito mais fácil: temos os exames dos nossos pacientes na hora, os dos outros hospitais da rede, etc. O prontuário eletrônico é fundamental. Antes era um horror: tudo em papel. No que diz respeito ao nosso treinamento e atualização, temos uma infinidade de trabalhos, as últimas novidades, todos os protocolos de todos os sistemas de saúde do mundo, de sociedades científicas de qualquer país, no computador, e isso dá uma velocidade impressionante. Com a pandemia, descobrimos a importância da consulta virtual. Não é necessário que o paciente se mova muitas vezes.

Dentro do hospital, como foi a vida no ano passado?

Todos nós vivemos isso com muita preocupação, principalmente durante a primeira onda. Até que os protocolos fossem colocados em prática, foi difícil e obscuro. A princípio, o paciente de COVID era priorizado, mas também priorizou-se as emergências e os pacientes com câncer. Como os nossos são em sua maioria e os transplantes são considerados, em geral, como uma emergência, os cirurgiões torácicos não pararam de trabalhar a um ritmo semelhante ao de sempre.

Quais são os grandes inimigos do pulmão?

É claro que o tabaco, a poluição ambiental nos centros das cidades e o radônio, em áreas onde há altas emissões, aumentam os riscos de câncer de pulmão. Viver uma vida saudável com boa alimentação, não fumar, fazer exercícios e morar em um local não muito poluído ajuda a ter uma boa saúde pulmonar.

Para onde está indo a pesquisa, algo que você espera que seja um marco na luta contra as doenças pulmonares?

Na medicina, as coisas mudam do dia para a noite. Tudo vai na velocidade da luz… No câncer de pulmão, a imunoterapia, associada ou não à quimioterapia, como etapa pré-operatória ou subsequente, será uma mudança importante em relação à quimioterapia isolada. Certamente haverá muito mais progresso. Na minha cirurgia, na torácica, e em todas as outras, a robótica vai ser uma revolução. Haverá muitas coisas novas, com certeza, em transplantes. Nesse momento a preservação dos órgãos está em investigação, logo será possível preservá-los por mais tempo, o que permitirá que órgãos sejam trazidos de mais longe, poderão ser melhorados e tratados antes de serem transplantados. Perdemos muitos órgãos, porque eles não são bons. É emocionante o que acontece e pode acontecer na medicina.

O que a Espanha tem para ser referência mundial em transplantes?

Principalmente por causa das doações e porque há muitos anos tem uma organização nacional fabulosa. A coordenação entre hospitais e a generosidade das pessoas nos faz ter um número muito bom. Sempre melhorando. No pulmão existem referências mundiais como os EUA, a Áustria ou o Canadá. A Espanha está em um lugar muito favorável.