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TRANSFORMAÇÃO | 03.11.2020

Mariano Esteban: “Devemos ter confiança na comunidade científica; somos os que temos mais responsabilidade”

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Na semana da Ciência e Inovação de 2020, retomamos com Mariano Esteban, pesquisador do CSIC, chefe do Grupo Poxvirus y Vacunas do Centro Nacional de Biotecnologia (CNB) e membro do comitê científico da OMS, um acompanhamento de seu projeto de vacina para conseguir uma saída para a COVID-19, bem como as aprendizagens que acumulam desde a entrevista anterior quando a pandemia foi declarada. O cientista se mostra categórico: precisamos nos conscientizar que o vírus continuará aí e deve-se evitar o contágio, porque a crueldade da pandemia reside na velocidade de propagação por meio dos assintomáticos. Unidade, confiança na comunidade científica e agradecimento ao apoio que empresas como a MAPFRE, a primeira a se comprometer, com uma doação de 5 milhões de euros para apoiar a instituição-, deram ao CSIC impulsionam as reflexões deste pesquisador, que dedicou sua vida no combate aos vírus que atingem o mundo.

Pergunta: Sua vacina superou testes de imunogenicidade em animais e estão entrando ou iniciarão ensaios clínicos. Em que ponto está seu projeto?

Do ponto de vista da candidata à vacina MVA-CoV2-S em desenvolvimento, já apresentamos uma patente. Este candidato vacinal está em produção por una empresa galega e estão fabricando lotes clínicos. Estamos também preparando o dossiê para submetê-lo à Agência Espanhola de Medicamentos e à Agência Europeia, o qual já temos bastante avançado. Apresentamos igualmente um artigo científico e acabamos de receber os comentários, bastante positivos, sobre o desenvolvimento da vacina e estabelecemos colaborações com a Universidade de Lovaina, para um ensaio em hamsters, e outra colaboração com o Centro de Primatas Não Humanos da Holanda. Estamos programando iniciar a fase clínica 1, com uns cem voluntários, e a fase 2, com 500, que ocorrerão de forma quase simultânea, no início de 2021. Ao mesmo tempo, estamos produzindo outros candidatos vacinais alternativos, caso se desenvolvam resistências ou os atuais não resultem suficientes para proteger de forma elevada, como a segunda geração e um espectro de ação mais amplo e que possam ter reatividade cruzada diante dos outros coronavírus.

Além disso, soubemos que a equipe de seu colega Luis Enjuanes prepara “a vacina mais complexa do mundo”, a única na qual se utiliza uma modificação genética do vírus.

Sim, também estão avançando muito bem. A equipe de Luis Enjuanes, especialista mundial em coronavírus, está desenvolvendo outro candidato vacinal baseado na sequência do genoma do coronavírus, em forma de replicação, ao qual eliminaram as zonas de virulência e como eles sempre dizem, andam mais devagar em razão de sua complexidade. Eles a terão no final de 2021, com a confiança de que ela produzirá maior amplitude de eficácia e na resposta imunológica.

Em que momento vocês poderão dizer: conseguimos o que buscávamos enquanto cientistas?

Quando demostrarmos que a vacina é altamente eficaz e segura. Esse é o objetivo.

Podemos ter garantia de que haverá vacinação segura, venha de onde vier, no final de 2021?

Sim, totalmente. Conhecendo as agências reguladoras, e me refiro às agências europeia, EMA, e norte-americana, FDA, os pesquisadores que estão por trás de algumas destas vacinas e o compromisso das multinacionais de não lançar nenhuma que não seja totalmente segura para a população, tenho total segurança e tranquilidade de que isso vai se cumprir. Poderá ter algum efeito não previsto, como ocorre com qualquer medicamento, mas isso é algo normal. 

Então, o que nós, cidadãos, podemos esperar?

O que acaba de acontecer comigo, que anteontem me vacinei contra a gripe. Fui tão tranquilo, tomei a injeção e saí pensando como seria se fosse a vacina contra o coronavírus, um acontecimento. Não nos damos conta do benefício tão grande que têm as vacinas para a humanidade em termos de saúde. Estamos todos torcendo para que chegue esse momento, e ele chegará.

E esse momento não terá nacionalidade, não terá etiqueta…

Não terá, em absoluto. Perguntei à enfermeira se podia saber qual era a procedência da vacina, mas por curiosidade científica! E ela me disse, claro que sim, tome (mostrando a etiqueta). Ninguém se preocupa com a origem da vacina, o senso comum é ir tomá-la e pronto. Às pessoas, o que importa é saber que vão estar protegidas.

“Não nos damos conta do benefício tão grande que têm as vacinas para a humanidade em termos de saúde”.

O CSIC acaba de emitir recomendações de ventilação para reduzir o risco em determinados espaços. Como nós, cidadãos, devemos interpretar estas mudanças, por exemplo, presumir que agora o vírus é transmitido por vias aéreas? 

Estamos aprendendo muito sobre esta infecção. Lembre-se que ela aparece na China em dezembro (de 2019) e os primeiros casos na Espanha, ao final de janeiro. E, a princípio, pensávamos que não ocorreria uma infecção generalizada. Como nos casos da SARS CoV e do MERS, estamos aprendemos muito em termos de conhecimento do vírus e sobre sua disseminação na população. E gradualmente vamos adotando medidas que são barreiras físicas: tratar de controlar e de evitar o contágio com máscaras, com a distância, lavando as mãos, circulação de ar e, sobretudo quando se está nesse núcleo pequeno de pessoas que formam nosso entorno familiar. Se aparece, devem-se tomar medidas, e quando não, estar mais relaxado e tranquilo. O que o vírus está nos ensinando é o confinamento e tentarmos nos proteger na maior medida possível. É claro que o vírus é minúsculo e pode se transportar em partículas muito pequenas, como os aerossóis, mas para que se inicie uma infecção, é preciso uma dose suficiente. Se for muito baixa, o organismo tem capacidade para eliminá-la rapidamente. 

Imagem de arquivo do CNB. Mariano Esteban, com sua equipe, o sexto da esquerda para a direita.

Com a chegada das próximas festas e do fim de ano em boa parte do mundo, recomenda-se algo extraordinário? Em que situação vamos nos encontrar?

Extraordinário seria celebrá-las tal como estamos acostumados, coisa que não vai acontecer. Isto vai continuar e vamos ter um distanciamento, um confinamento que vai ser muito severo, segundo todos os prognósticos. Não vamos ter controlado o contágio, nem conseguir níveis muito baixos ou nulo de contaminação por enquanto, a menos que conseguirmos achatar muito a curva Creio que vamos seguir assim até boa parte de 2021.

Nestes meses que passaram, como mudou a sua visão em relação ao vírus SARS CoV-2? Existe algo que tenha surpreendido você?

Normalmente todos os vírus aparecem, desaparecem… Mas este é persistente, está se mantendo em circulação porque tem a “vantagem adicional” de se manifestar em grande medida de forma assintomática, e o que isso faz, em um período de dias ou uma semana, é ser transmitido sem que se note. Somente quando uma pessoa tem febre, mal-estar e congestão. Isso é o mais cruel deste vírus: é muito difícil de eliminar exceto com a vacina, que é como vamos conseguir. Se não, vamos estar dando saltos daqui para ali, pensávamos que a França, Reino Unido, Itália ou Holanda o tinham controlado. E de repente outro ressurgimento, outra onda. É pela facilidade que ele tem infectar as pessoas sem que elas percebam. Quando infecta, em uma população grande, não o notam. Somente a percebem quando se manifesta de forma suave, ou quando vão para o hospital já com o pulmão coprometido com problemas respiratórios.

O que acontece na Espanha? 

Nossa própria idiossincrasia, nossa incapacidade de concordarmos. Porque a comunidade científica é homogênea. Você apresenta algo, dá uma hipótese ou apresenta alguns resultados e são claros. Fora dela, se cria confusão. A sociedade esperaria que todos nos puséssemos de acordo e agíssemos da mesma maneira, isso seria unidade, mas o que acontece é que todos opinam, todos consideram que o que uma pessoa diz é o contrário e deve ser rebatido. A própria natureza de heterogeneidade que temos em nosso país, de mistura de populações durante séculos fez com que tenhamos criado uma população muito interessante, muito qualificada para empreender qualquer coisa, porém não somos capazes de concordarmos. Enquanto poderíamos ir a uma velocidade bem alta, vamos em marcha lenta.

O que é “confiança” para um cientista com seu nível de responsabilidade?

Para mim, a comunidade científica me dá confiança. Tem muitíssimos anos de experiência e se baseia em fatos reais, demonstrados e comparados sempre. Tudo tem que estar comparado a fatos. Esse é o argumento científico. Estou em um comitê assessor, emitimos relatórios muito trabalhados, disponíveis para toda a sociedade, anexados no site do ministério. Logo sai um tuíte, e imediatamente uma resposta, e se cria mais casos para as análises e avaliações por pessoas muito qualificadas, porque são muitas páginas. O que se busca são três ou quatro linhas, vamos muito acelerados, sem os critérios de exigência e qualidade que se pedes nos setores profissionais. Aí falhamos. Há muitos boatos e isso, infelizmente, confunde a população.

“Na MAPFRE foram os primeiros a se aproximarem do CSIC, um motor catalizador”.

Que mensagem você acha importante salientar sobre a situação que temos nesse momento?

Precisamos manter a responsabilidade. Existem critérios muito positivos da administração, que devemos seguir, porque se não, torna-se um caos. A nível internacional, também sou assessor da OMS, temos, nesses próximos dias, uma reunião sobre em que medida o mundo está protegido do vírus da varíola, e continuamos trabalhando sempre sob o auspício da Organização para todo tipo de enfermidades e prevenir que apareçam. Sempre estamos vigilantes. Logicamente nesta pandemia cometeu-se erros, como quando se faz experimentos, mas trata-se de interpretá-los e introduzir modificações. Creio que a mensagem é que temos que seguir as recomendações, cumpri-las e tratar de evitar a extensão da pandemia. Sobretudo, estarmos bem conscientizados. O vírus está ao nosso redor e temos que fazer o maior esforço possível para evitar nos contagiarmos. E que se tenha confiança na comunidade científica, que somos os que temos mais responsabilidade para evitar o vírus mediante os procedimentos que estão em nossas mãos: métodos rápidos de diagnóstico, medidas terapêuticas, desenvolvimento de novos fármacos ou terapias que o controlem e desenvolvimento de vacinas. Estamos nesse processo e avançando rapidissimamente. Sejamos pacientes, mas vamos nos manter alertas a todo momento.

Como se empregam, qual a importância da assistência proporcionada pelas empresas e para que servem? Como estão avançando os projetos nos quais o CSIC está trabalhando que contaram com respaldo empresarial?

A própria instituição está ajudando muito, graças a aportes como os da MAPFRE. O CSIC está em uma posição muito positiva e está incrementando a pesquisa face a esta pandemia, para que nós, pesquisadores, tratemos de utilizar nossos conhecimentos para combatê-la em todos os níveis: com métodos mais rápidos de diagnóstico, com métodos terapêuticos, vacinas, tratamento de patologia nas pessoas afetadas etc. Graças aos auxílios, foram desenvolvidos novos procedimentos rápidos de diagnóstico, foram identificados fármacos com capacidade antiviral e desenvolvendo vários protótipos de vacinas contra o SARS-CoV-2. A instituição contava com recursos escassos, que os pesquisadores conseguiam para projetos ou orçamentos da instituição. Acredito que seja a primeira vez que, na Espanha, toma-se uma posição de ajudar a instituição a partir da sociedade civil e empresarial na forma de doações, e isso é louvável. Gostaria que este mecenato se estabeleça como algo normal, como ocorre em outros países (Reino Unido, Estados Unidos). Na MAPFRE foram os primeiros a se aproximarem do CSIC, um motor catalizador.