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TECNOLOGIA | 22.04.2020

A ameaça da COVID-19 leva a proteção de dados ao limite

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A inovação tecnológica para o controle da pandemia e o uso de dados reacendem o debate sobre ética digital e direito dos cidadãos à privacidade.

A linha divisória entre o direito à privacidade e as estratégias de controle está diminuindo.

Muito se escreveu sobre a dicotomia segurança e liberdade nas últimas décadas, um equilíbrio que agora parece mais necessário do que nunca. Porque, sem dúvida, estamos testemunhando um momento decisivo entre o que os regulamentos de proteção de dados permitem em momentos excepcionais, como no caso da COVID-19, e o que pode violar liberdades individuais. É um período de difícil equilíbrio entre direitos fundamentais à saúde e à proteção de dados.

Neste momento de pandemia global e boom tecnológico, os dados, que já eram considerados um ativo fundamental para muitas empresas em todo o mundo, adquiriram uma capacidade única de rastreabilidade. A linha divisória entre o direito à privacidade e as estratégias de controle está diminuindo.

Depois que a pandemia se espalhou, os países que conseguiram gerenciar melhor a crise sanitária consideraram em suas estratégias o uso de sistemas para localizar e fazer o acompanhamento de pessoas infectadas. Coreia do Sul, China e Polônia implementaram modelos de acompanhamento com GPS capazes de notificar as autoridades sobre uma tentativa de fuga de um potencial propagador fora de sua área de quarentena. Muitos outros países, como os Estados Unidos e a Espanha, estão avançando com iniciativas a fim de reduzir as medidas de distanciamento, protegidos por suas legislações em vigor.

Para levantar as restrições, a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) lembrou que um dos critérios é que os sistemas de saúde estejam em posição de “detecção, realização de testes, isolamento e tratamento de cada caso, além de acompanhamento de seus contatos de risco” para que se faça a adaptação das medidas apropriadas. Uma maneira de cumprir tal diretriz é colocar a tecnologia a serviço da segurança e da vigilância das medidas de contenção.

No caso da Espanha, a Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD) enfatizou que é necessário aplicar proporcionalidade em todas as medidas que possam implicar o processamento de dados, especialmente se forem para a saúde. Apesar de que a proteção de dados não deve ser usada na luta contra a pandemia para impedir ou limitar a eficácia das medidas adotadas pelas autoridades, especialmente as autoridades de saúde, lembre-se de que esta situação excepcional não significa a suspensão do direito à proteção de dados. Portanto, deve-se garantir que o tratamento de dados pessoais continue a ser realizado de acordo com os regulamentos de proteção de dados pessoais, mesmo durante emergências de saúde.

Elena Mora“Esta necessidade de garantir a conformidade regulamentar, mesmo em momentos como o que estamos enfrentando, é o grande desafio para as organizações. Não podemos permitir que os regulamentos de proteção de dados afetem a eficácia das medidas no combate à pandemia”, como destacou Elena Mora, diretora de privacidade e proteção de dados da MAPFRE.

“Além disso, esta situação está mostrando que, apesar de termos um Regulamento Geral de Proteção de Dados aprovado, entre outras coisas, com o objetivo de harmonizar os regulamentos de proteção de dados a toda a Europa, não é possível estabelecer uma solução única e critérios únicos na implementação de certas medidas a nível europeu, pois será sempre necessário considerar as leis e os pronunciamentos locais, inclusive em relação à privacidade e proteção de dados. Esses pronunciamentos podem não somente determinar a maneira como as medidas são implementadas, mas até questionar sua viabilidade.”

Em um contexto marcado pela proliferação de aplicativos, alguns conhecidos e que levantaram suspeitas e campanhas de phishing por meio de serviços de mensagens instantâneas, e-mail e outros meios, os regulamentos de privacidade e proteção de dados são mais importantes que nunca.

Ética tecnológica

A preocupação com a soberania dos dados, desfocados do indivíduo e em prol da comunidade, aumenta em cenários como este, razão pela qual muitos especialistas e grupos exigem um uso ético da tecnologia. O próprio Conselho da Europa emitiu uma declaração conjunta sobre os limites e princípios aplicáveis a uma situação como a atual e a Comissão Europeia acaba de publicar um guia estabelecendo requisitos para esses tipos de aplicativos, recomendando o uso voluntário e anônimo aos usuários.

Entretanto, há tanta preocupação a esse respeito que, além disso, como Elena Mora explicou, “o Comitê Europeu de Proteção de Dados já antecipou que emitirá orientações adicionais sobre o assunto para responder ao documento da Comissão. Devido à proliferação desses aplicativos na Espanha, a Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD) teve de emitir uma declaração atentando para os critérios que devem ser cumpridos precisamente para que o processamento de dados seja legal, e alertando os cidadãos de que no uso de aplicativos ou de sites, que não pertençam a autoridades públicas e sejam oferecidos por entidades ou pessoas privadas, é preciso ter cuidado ao informar dados pessoais sem saber quem, para quê e com que garantias serão tratados”.

Um desses aplicativos, que a Apple e a Google estão desenvolvendo conjuntamente, conscientes da preocupação com a privacidade dos dados, tem como aspecto principal de seu design a privacidade e a segurança do usuário. As empresas apelam diretamente à confiança do usuário, que poderá decidir voluntariamente se deseja participar do novo sistema conjunto para alertar as pessoas caso elas tenham tido um possível contato com outras pessoas positivas para a COVID-19. Ambas as empresas insistiram em não coletar informações de identificação pessoal ou dados de localização e irão desmantelar o protocolo assim que a pandemia passar.

O Private Kit: Safe Paths, outro desses aplicativos criado por pesquisadores do MIT, de Harvard e da Clínica Mayo em conjunto com desenvolvedores do Facebook e da Uber, também aborda especificamente aspectos de privacidade em seu próprio design.

De qualquer forma, está em debate se o uso de aplicativos para acompanhar e controlar cidadãos sem comprometer o respeito pelos direitos fundamentais é justificável do ponto de vista ético. É urgente continuar promovendo ao máximo o gerenciamento de dados éticos e transparentes.

Nada deve poder ser feito sem a autorização e a confiança dos cidadãos, depois de comunicar o que sua participação implica em qualquer plataforma ou sistema de acompanhamento de mobilidade e de hábitos para controlar a concentração das pessoas afetadas. Afinal, nossa liberdade também depende de como esse dilema é gerenciado.